terça-feira, 18 de julho de 2017

A solidão da mulher negra, preterida pelos homens brancos e pelos homens negros


O infeliz Cirilo e sua paixão inalcançável

O texto abaixo, de Mabia Barros, foi publicado no site Blogueiras Negras.

O post é um pensamento em construção. E como todo pensamento em construção, tem um quê de autobiográfico. Contudo, mais que isso, esta é uma observação que tenho feito e que, espero, consiga sanar minhas curiosidades acerca do tema muito em breve, num mestrado. Antes de tudo, explico o meu lugar de fala: cis, negra, heterossexual.


Primeiro, vamos à Síndrome de Cirilo. Antes me referia a ela como um complexo, mas acredito que síndrome seja a nomenclatura mais adequada. Cirilo é o garotinho negro da novela infantil Carrossel, que passa toda a trama sendo humilhado e desdenhado pela menininha rica e loira, pela qual ele se interessa.

Cirilo, apesar de humilhado e rejeitado, visivelmente não pertencente àquele grupo, se esforça para estar “à altura de sua amada” e sofre com a rejeição, mas não a compreende como racismo, apenas absorve a imposição de inferioridade e se ressente por não ser igual ao seu rival.

Nesta relação Cirilo-Maria Joaquina há toda uma historicidade das relações “amorosas” entre homens negros e mulheres brancas, especialmente depois da abolição da escravatura.

Estar com uma mulher branca é mudar de status, é evoluir, é ser aceito na roda dos “bem nascidos”. É preciso entender que os nossos gostos, que tanto dizemos que “não se discutem”, são construídos socialmente. São influenciados desde cedo pelo que aprendemos e vemos em casa, no cinema, na TV, nos quadrinhos, nas propagandas.

E, convenhamos, vivemos num país cujo padrão de beleza hegemônico é eurocêntrico. O que beleza tem a ver com isso?! Numa era em que tudo é imagem, tem tudo a ver. Por mais que a pessoa diga que não escolhe x parceirx romântico baseado em aparência, no fundo, existem sim alguns critérios que x “pretendente” precisa ter.

E os aspectos raciais dominam esse jogo. Ter o nariz de batata, a pele negra, o cabelo crespo. Claro que aquelas consideradas “até que bonitas para uma negra” não sofrem tanto com o problema, por estarem dentro do estereótipo da mulher negra que é sexualizada e transformada em objeto de desejo. Sorte (?) delas.

Mas é esta preferência (ou principalmente ela) pela mulher branca que leva à solidão da mulher negra. Ser preterida pelos brancos, ok. Mas os negros também preferem as branquinhas. São mais bonitas, né? Dá para fazer cafuné, brincar com os cabelos, os filhos não vão “sofrer” com o cabelo “duro”, ele vai poder “clarear a família”.

Há até quem ache que o mestiço tem vantagens no Brasil. Como se diz na Bahia: Aonde?!

Outra coisa que ouço bastante, infelizmente até de mim mesma, é que há poucos negros com que se relacionar nas classes média/média-alta. Eu acredito piamente que moro no bairro errado. Mas não deixo que isso impeça que eu conheça pessoas de outros lugares. Onde eu moro e no meio onde trabalho são mesmo raros os negros. Estamos começando agora. Mas os poucos que vejo usualmente namoram com uma menina branca. Não se reconhecem como negros ou acham que “esse negócio de raça é bobagem, somos todos humanos”.

Também existem os que me chamam de paranoica, mas com estes eu converso com calma, até me entenderem.

No frigir dos ovos, temos, por um lado, meninos que sofrem desde crianças para se adequar a um padrão irreal e meninas que, igualmente, se mutilam para tentar alcançar o padrão inalcançável e as que são rejeitadas. Tem que ver isso aí, produção!