O conceito do embranquecimento surgiu logo após o fim da escravidão do Brasil, onde os negros que foram escravizados foram levados aos cais para serem devolvidos para a África e podemos dizer que essa tentativa foi um fracasso. A elite nacional teve a brilhante ideia de branquear o Brasil trazendo imigrantes europeus unindo o útil ao agradável, pois além de suprir a carência de mão-de-obra que pairava no pais, eles iam conseguir esconder e clarear todo o os resquícios de escravidão que ainda assolava no Brasil. Ou seja, essa jogada foi claramente influenciada por racismo.
E esse embranquecimento virou uma via de mão dupla. De um lado, nós temos o embranquecimento em que pessoas negras são desde cedo influenciadas a miscigenar sua família se relacionando com negros mais claros ou com pessoas brancas, porque segundo terceiros: “Você tem que clarear a sua família.”. E de outro lado, nós temos o embranquecimento que pessoas negras sofrem ao longo da vida.
Vocês já notaram que a maioria dos artistas negros são embranquecidos? Beyoncé, Mariah Carey e Nicki Minaj são exemplo nítido disso, mas vamos focar em algo mais próximo da nossa realidade. Que tal falarmos de Anitta, Valesca Popozuda e Ludmilla? Sim, as três são negras. E as três foram embranquecidas e elitizadas para terem suas carreiras alavancadas. Calma, eu vou explicar isso direitinho, mas primeiro vamos fazer uma linha do tempo dessas três artistas.
Como vocês podem notar as três são mulheres negras e isso fica extremamente evidente na época de ambas estão em anonimato, ou seja, antes da fama. As três começaram como funkeiras, onde faziam pequenos shows em pequenos locais nas favelas do Rio de Janeiro e aos poucos elas foram ficando famosas na favela e começaram a gravar vídeos para suas músicas em carreira solo ou em grupo (Valesca era vocalista do grupo Gaiola das Popozudas). Anitta e Ludmilla começaram a trocar seus nomes artísticos, porque houve uma ascensão nas suas carreiras e era necessário que elas tivessem seus nomes desligados ao funk. Ambas retiraram o MC dos seus nomes e houve uma repaginada no seu visual. Começaram a colocar apliques, lentes de contato, alisar seus cabelos, platinar, fazerem cirurgias plásticas para diminuir aqui e aumentar ali e houve uma mudança radical no seu repertório. O mesmo aconteceu inicialmente com Valesca Popozuda, porém ela fez todo esse investimento em sua aparência, mas continuou cantando o funk proibidão e tendo seu corpo hipersexualizado. Entretanto, após alguns anos, Valesca abandonou o grupo e teve sua imagem totalmente recriada, higienizada e surge uma Valesca com menos palavrões em suas letras e mais letras com refrãos chicletes e pop.
Bem, vocês deves estar pensando que isso é algo natural e normal para qualquer artista ou que um artista precisa sempre se reinventar para alcançar um público maior, mas vocês já pararam pra analisar que todo artista negra, eu disse TODO ARTISTA NEGRO precisa sempre ser higienizado para obter aceitação do seu público? Vocês já notaram que o funk e seus artistas são marginalizados a um ponto que para que sua arte seja aceita e digerida pela elite brasileira, eles precisam ser totalmente higienizados, precisam esconder qualquer traço negroide presente em si mesmo e são embranquecidos ao máximo para agradar e ter atenção da mídia?
(Divulgação: Fotos da cantora Anitta na infância)
Anitta foi a primeira das três a ter toda essa notoriedade e atenção da mídia e foi óbvio que ao ver toda essa ascensão Valesca e Ludmila decidiram seguir a mesma receita do sucesso da Anitta. Até um certo tempo, Ludmilla se assemelhava muito as meninas do bonde das maravilhas, mas para que fosse aceita e respeitada por todos, ela foi influenciada por toda sua equipe e investidores a se embranquecer. Afinal, quem vai respeitar uma negra que não tem papas na língua pra contar sua realidade?
(Divulgação: Cantora Anitta antes e depois)
(Divulgação: Cantora Ludmilla antes e depois)
O funk por ser um estilo música que até alguns anos era predominante dominado por pessoas negras e de origem periférica sempre foi demonizado e marginalizado pela sociedade brasileira. Considerado por muitos como algo sem cultura e que só serve pra sexualizar o corpo feminino, o funk sempre foi visto como algo sujo e que jamais deveria ser levado a sério por todos e caso algum funkeiro conseguisse fazer sucesso, ele ia precisar seguir alguns padrões estabelecidos para ser aceito. O funk se tornou algo extremamente lucrativo e rapidamente pessoas brancas se apropriaram do funk e surgiu aí o funk ostentação.
Muitas funkeiras sofrem racismo e machismo da sociedade. Por exemplo, o quadradinho, o rebolado e as letras da Anitta são aceitas nos programas de TV, mas até um tempo atrás, Valesca Popozuda não era aceita. Valesca é famosa por não ter papas na língua, letras repletas de palavrões em que retreta ser uma mulher que não é submissa ao homem e lida muito bem com o sexo. E é isso que a sociedade machista tem medo: Uma mulher empoderada.
A sociedade não dá a mínima se homens escrevem músicas rebaixando, sexualizando e expondo mulheres. Afinal, esse machismo está enraizado na nossa cultura. Entretanto, se aparecer uma mulher que faz letras falando sobre sexo e mostrando não ser submissa, ela precisa ser repudiada socialmente e ignorada por todos. Afinal, a mulher não pode ser a consumidora, ela é o objeto de consumo.
Como já foi dito anteriormente, se uma mulher expressa sua sexualidade de forma direta, ela é tratada como vadia, puta, vagabunda e não merece ser respeitada. Convém lembrar, que a mulher negra já carrega o estereótipo de objeto consumível e descartável. E a mulher branca mesmo sendo sexualizada pela sociedade, ela tem um valor maior e mais duradouro que o da mulher negra. É assim que funciona: As mulheres são tratadas como mercadorias e ainda há um catalogo para valorizar umas mais outras.
É lógico que para que mulheres negras sejam aceitas e abraçadas pelo seu público e pela mídia, elas terão que submeter a receita do sucesso: uma pele mais clara, um cabelo mais liso, um nariz mais fino e ter sua sexualidade moderada ou restrita. Engana-se quem pensa que não existe racismo no Brasil ou que racismo é apenas te chamar de macaco. O racismo atua de forma sorrateira e silenciosa, ele está impregnado nos detalhes. E aos poucos, nós somos envenenados e usados por esse sistema que tenta de todas as formas nos apagar e excluir da história.
Nós resistimos e existimos ao racismo, porque nós não queremos fazer parte da história. Nós somos a história.
via turbantei